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Iniciação científica e minha experiência

22 de Abril de 2024, 13:00

Iniciação Científica é a porta de entrada para drogas mais pesadas (a imagem de capa é de autoria própria, admirem um belo ELISA de dopamina).

Toda vez que encontro alguém, seja aluno, colega de profissão ou até mesmo pessoas da academia, sempre uso essa frase. Tal qual a escolinha de futebol para muitos jovens que nasceram de onde eu vim, como cursinhos pré-vestibulares para quem se prepara para a entrar na universidade, a iniciação científica é um programa preparatório.

Oficialmente, segundo o site da Santa Casa de São Paulo, iniciação científica é “um programa oferecido por muitas instituições de ensino, tanto pública quanto privada, para que os alunos possam aprofundar seus conhecimentos em uma determinada área do seu curso.” Trocando em miúdos, a iniciação científica é um processo de construção de alunos de graduação para uma carreira acadêmica.

De forma geral, programas de iniciação científica acontecem tanto em instituições públicas quanto em privadas, tendo como base um professor ou investigador principal que possui uma linha de pesquisa, coordenados pela Pró-Reitoria de Pesquisa. Essas linhas de pesquisa variam conforme o local onde os professores são concursados, por exemplo, dentro do setor de um fictício Departamento de Hematologia, existem professores que trabalharão com hemácias, leucócitos, plaquetas etc. Isso é importante frisar por conta do processo que farei menção em seguida.

O objetivo final de uma iniciação é focar na formação acadêmica do graduando, construindo as ferramentas investigacionais para uma fixação de como se usa o método científico. Uma das partes mais importantes de uma iniciação é reiterar que não pode existir pressão para resultados positivos nessa etapa, pois o método é o mais importante.

A pesquisa de iniciação científica majoritariamente é prática, ou seja, o aluno realmente coloca a mão na massa. Se a linha de pesquisa do professor for com células, por exemplo, o aluno aprenderá a trabalhar com elas. Fazer relatórios e tratamento de dados é parte integral desses projetos, mas sempre com apoio e suporte do professor e muitas vezes do corpo de mestrando e doutorandos que habitam os laboratórios de pesquisa.

Entretanto, uma das questões que eu particularmente acho muito interessante na iniciação científica é o fato de ela ser um ponto de partida para a vida acadêmica. Para quem já conhecia o processo acadêmico e buscava esse tipo de caminho, a iniciação é uma oportunidade perfeita para construir experiência e currículo, pois geralmente no final das iniciações emerge um artigo científico que vai para publicação.

Porém, tão legal quanto formar um futuro cientista, é o detalhe que, para quem ainda não sabe muito bem o que quer seguir como carreira, a iniciação permite que muitas pessoas possam “colocar o pé na água” da pesquisa sem precisar se jogar de forma completa, como por exemplo em um mestrado ou doutorado.

Se você gostar, excelente! Bem vindo! Se não gostar, melhor ainda! Esses compromissos de mestrado ou doutorado são bem sérios, então para desistir no meio geralmente é um processo bem chatinho, mas é possível. Para evitar esse tipo de coisa, a iniciação vai te dar um ótimo panorama de como funciona o braço de Pesquisa de uma universidade.

Para conseguir uma iniciação científica, o processo varia consideravelmente entre instituições. Cada local tem seu programa de ingresso, mas o primeiro passo é encontrar um orientador que trabalhe com uma linha de pesquisa que você goste. Se você gosta de microbiologia, por exemplo, procure em instituições (principalmente públicas) departamentos que trabalham com micro-organismos. Como havia dito, normalmente as linhas de pesquisas são bem específicas, ou seja, se eu gostar de microbiologia, não vou conseguir encontrar um pesquisador que trabalhe com “bactéria” de forma generalista, mas sim algum micro-organismo específico dentro de uma pesquisa específica, algo como “Escherichia coli e sua interação com células NK”.

Depois dessa etapa, entra-se em contato com o orientador e apresenta-se o interesse em fazer uma iniciação científica. Daí pra frente, cada instituição dá um seguimento diferente. Um dos pontos importantes que deve sempre ser destacado é que muitos orientadores exigem dedicação exclusiva, então sempre verifique esse detalhe caso você possua outro compromisso, sempre deixe claro para o orientador para que os interesses fiquem alinhados.

Quanto à remuneração, que é um tópico muito importante tendo em vista a exigência ocasional de dedicação exclusiva de alguns orientadores, é baseada no sistema de bolsa. Temos duas agências de fomento federais importantíssimas, a CAPES e o CNPq. Dos dados que encontrei, segundo o próprio governo, gira em torno de R$700.

Além dessas agências federais, aqui no estado de São Paulo temos  uma agência estadual extremamente respeitada e muito cobiçada que é a FAPESP. Em geral a FAPESP paga um valor maior que as federais (segundo site próprio, uma bolsa de iniciação científica gira em torno de R$853,80), entretanto, costuma ser mais exigente em muitos aspectos.

Falando especialmente da minha experiência, fui muito feliz no meu projeto de iniciação. Fiz a minha iniciação no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), no Departamento de Farmacologia. O meu orientador foi o Prof. Dr. Stephen Fernandes de Paula Rodrigues, que foi um orientador fantástico que me mostrou os caminhos da pesquisa e me fez aumentar mais ainda meu desejo de ser cientista como ele.

Fui bolsista FAPESP, desenvolvendo uma pesquisa dentro da área de nanofarmacologia aplicada. A pesquisa que eu estava inserido estava dentro do arcabouço da pesquisa básica, onde trabalhei com modelos animais. Tive a sorte de encontrar um orientador espetacular com muita paciência, uma estrutura primorosa do ICB I, além de ter obtido resultados positivos e publicado dois artigos que nasceram desse projeto, com uma patente associada também. Só posso agradecer por tudo o que aprendi nesse período, do qual colho frutos até hoje.

 

Referências:

https://fcmsantacasasp.edu.br/blog/o-que-e-e-por-que-fazer-iniciacao-cientifica/

https://www.gov.br/cnpq/pt-br/acesso-a-informacao/bolsas-e-auxilios/copy_of_modalidades/tabela-de-valores-no-pais

https://fapesp.br/valores/bolsasnopais

https://jnanobiotechnology.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12951-021-00796-6

O que se esconde na Mata Atlântica?

11 de Março de 2024, 13:00

Eu sei que você, meu querido leitor, já tá ficando cansado de mim. Pareço um disco arranhado, uma série repetida, um dia da marmota. Quase todas as vezes que venho aqui, trago um pedaço das intrépidas entradas no mato que realizo de forma recreativa e voluntária.

Mas não desista de mim! Assim como em um disco arranhado, se você fechar os olhos e prestar bastante atenção na música, notará uma nova nota, um timbre diferente, um instrumento de fundo. Nas séries que assistimos sempre, mesmo sabendo os diálogos de trás para frente, se você cerrar os olhos nos cantinhos escusos, pode notar detalhes que sempre estiveram ali, como uma piscadinha dos produtores para os fãs. Afinal, não é assim que surgem os easter eggs?

Por fim, mesmo no dia da marmota, com todo seu roteiro cravado como pedra na sua mente, sempre existe a oportunidade de fazer algo diferente, de testar algo novo, de tomar uma nova rua (que pode ser sem saída, mas o que vale é a vontade). Tudo isso pra te convencer a vir comigo em mais uma empreitada no matagal e conhecer mais três coisas que a nossa querida e resiliente Mata Atlântica, que abraça como uma mãe a magistrambólica metrópole que se levanta sob os Campos do Piratininga, esconde nos seus caminhos mais longínquos (ou nem tanto, Paranapiacaba não fica tão longe assim do centro).

Duguetia lanceolata

A primeira que eu encontrei foi uma frutinha muito curiosa, que se destacou muito pela sua cor vermelha e formato distinto no meio da mata. Quando encontramos ela, meus companheiros de trilha a apelidaram carinhosamente de “brinquedo de cachorro”. Sabe aquelas bolinhas pontudas que usamos com nossos doguinhos? Realmente ela parecia, obviamente sem a mesma solidez do seu parente de plástico.

Em minhas pesquisas descobri de quem se tratava. Essa primeira frutinha era a Duguetia lanceolata, mais conhecida pelo nome de pindaúva, biribá perovana ou mesmo pindaíba. O nome pindaúva vem do tupi-guarani que significa “árvore dos caniços ou varas”, fazendo referência aos brotos que surgem na base do caule que os indígenas usavam para fazer suas casas.

A fruta em si é comestível (a que eu encontrei já estava semiconsumida) e com relatos de que é saborosa na literatura, chamando bastante atenção de aves e outros animais. Suas cascas e folhas são usadas como fitoterápicos, com ações cicatrizantes, antimicrobianas e anti-inflamatórias. Alguns estudos apontam possível atividade antinociceptiva (reduz precepção e transmissão de estímulos que compreendem o fenômeno da dor) além de presença de metabólitos que agem contra o protozoário Trypanossoma cruzi e os fungos Candida albicans, Cryptococcus neoformans e Saccharomyces cerevisiae (todas as referências no final do artigo).

Dentro das pesquisas em saúde aplicada, o artigo mais recente sobre a pindaíba é de 2022 de um grupo brasileiro (VAI BRASIL!) que realizou a caracterização química de uma molécula previamente descrita que está presente no extrato das folhas da planta, além de verificar a ação contra formas do protozoário Leishmania, causador da leishmaniose, que tiveram resultados bem animadores!

Como curiosidade, estima-se que a expressão idiomática “estar na pindaíba” refere-se ao fato do fruto da pindaíba ser facilmente derrubado quando está maduro. Entretanto, pelas fontes dessa informação que pesquisei, é difícil estimar se a expressão veio antes ou depois da associação com fruto.

 

Psychotria nuda

Outro elemento encontrado nessa jornada foi a Psychotria nuda. Com seus frutos de cor anis (achei muito chique essa descrição no portal da Embrapa), me chamou a atenção por parecer muito com frutos de café. Tem uma característica mais ornamental, conhecido popularmente como cravo-negro, encontrado em florestas bem úmidas e em beira de corpos d’água, nativa da Mata Atlântica.

Essa planta já é muito bem descrita quanto aos seus ativos, sendo que o uso mais recente que eu encontrei foi a aplicação in vitro do extrato das folhas para observar a atividade contra o Mycobacterium tuberculosis, a causadora da tuberculose. Os resultados mostraram que nessa planta tem muitos metabólitos secundários promissores, mas são necessários mais estudos de cada um isoladamente e em conjunto.

 

Roridomyces roridus

Para finalizar, o último achado dessa aventura foi um amiguinho muito bonitinho chamado Roridomyces roridus. Geralmente eu não escrevo sobre fungos por fugir muito da minha área de domínio e habilidades de reconhecimento, mas esse me chamou atenção pela sua forma e beleza.

Esse cogumelo é conhecido como gorro pingado, exatamente por conta desse aspecto meio “melado” que me chamou atenção. Apesar de a floresta ser relativamente úmida, esse organismo se destacava.

Curiosamente, existem poucas informações sobre este cogumelo associado a sua presença na Mata Atlântica, sendo mais referenciado em locais como os EUA e a França. Nesses catálogos, descobri que este cogumelo pode ser bioluminescente, o que deve ser lindo à noite.

Esse pequeno ser vivo me fez mudar as buscas que geralmente faço nesses textos, pois, de forma surpreendente ou não, a ligação entre fungos e pesquisas em saúde são escassas, nesse caso, inexistentes. Usando o PubMed, Scielo e outras bases confiáveis, muito se encontra sobre a descrição e descoberta em diversos locais, mas não encontrei descrição de metabólitos secundários, nem mesmo outras pesquisas.

Isso me traz uma questão interessante: fungos são subvalorizados em pesquisas em saúde por algum motivo? Limitações técnicas? Restrições de uso? Essa é pra você, caro leitor, que acha que estamos aqui para ensinar, mas na verdade, cada busca é um aprendizado, tanto para você, quanto para mim.

 

Referências bibliográficas:

https://www.colecionandofrutas.com.br/duguetialanceolata.htm

https://www.arvoresdobiomacerrado.com.br/site/2017/04/03/duguetia-lanceolata-a-st-hil/

http://cncflora.jbrj.gov.br/portal/pt-br/profile/Duguetia%20lanceolata

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35796444/

https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/995056/psychotria-nuda-cham–schltdl-wawra-rooting-of-stock-plants-in-different-phenophases-and-environments

https://www.ecoregistros.org/folha/Psychotria-nuda&idlugar=36658

https://inpn.mnhn.fr/espece/cd_nom/463334/tab/archeo

de Carvalho Junior AR, Oliveira Ferreira R, de Souza Passos M, da Silva Boeno SI, Glória das Virgens LL, Ventura TLB, Calixto SD, Lassounskaia E, de Carvalho MG, Braz-Filho R, Curcino Vieira IJ. Antimycobacterial and Nitric Oxide Production Inhibitory Activities of Triterpenes and Alkaloids from Psychotria nuda (Cham. & Schltdl.) Wawra. Molecules. 2019 Mar 15;24(6):1026. doi: 10.3390/molecules24061026. PMID: 30875889; PMCID: PMC6471101.

 

São José do Rio Preto e como a cultura faz sua vida melhorar

6 de Dezembro de 2023, 13:00

Eu sou uma pessoa viajante. Mas não essa viajante que você tanto almeja ser na vida, meu caro leitor. Sabe essa idealização que todos nós temos de viajar o mundo, conhecer lugares paradisíacos e postar uma vida de herdeira? Então, eu não sou isso não.

Na verdade, bem longe desse glamour, eu me atenho a outro tipo de viagem, sem nenhum sentido escuso. Eu gosto da viagem obscura, para aqueles lugares que as pessoas olham e perguntam “onde fica?” ou “por quê?”. Acho que esse tipo de surpresa é muito agradável.

A viagem da vez foi para São José do Rio Preto. Tirando os nativos e conhecedores da região, acredito que poucas pessoas teriam essa cidade como destino primário para qualquer tipo de atividade. Mas dessa vez, acabei indo por conta de trabalho.

Em São José do Rio Preto aconteceu o III Encontro de Biomedicina do Noroeste Paulista, evento organizado na Faculdade de Medicina do Rio Preto.

Apesar de ser formado a um bom tempo, sempre tento me manter bem atualizado dentro da área, toda vez que vou a algum congresso, sempre volto com uma informação nova. E dessa vez não foi diferente. O congresso foi excelente, com muitos palestrantes qualificados e um coffee break de qualidade do interior (alimente um acadêmico sempre). Mas o que eu gostaria de trazer hoje não aconteceu no evento, tampouco tem a ver com biomedicina, esse foi apenas o motivador para minha partida para a terra das capivaras.

Após o evento, precisei enrolar durante um tempo até conseguir pegar meu ônibus para retornar à São Paulo, que tem uma distância de 5 horas entre as duas cidades. Com meu contato obtido com os nativos da cidade, descobri que um dos pontos “turísticos” da cidade é uma represa.

A Represa Municipal de Rio Preto fica próxima do centro da cidade e consiste basicamente no que o próprio nome diz, numa represa. Ao caminhar ao redor, ouvi o barulho de música vindo do outro lado, que parecia vir de uma espécie de teatro a céu aberto, conhecido em muitos lugares como teatro de arena, então resolvi caminhar até lá para descobrir o que estava acontecendo.

O evento de biomedicina aconteceu no dia 18 de novembro, bem próximo do dia do biomédico, que é dia 20 de novembro. Mas tão relevante quanto o dia da profissão mais linda que já existiu, nesse dia é comemorado também o Dia da Consciência Negra. A cidade parecia que não ligava muito pros biomédicos, mas para a lembrança de nossos antepassados, nisso eles deram um show.

No anfiteatro à beira-lago (ou seria beira-represa?), de nome “Anfiteatro Nelson Castro”, estava acontecendo um evento de memória aos povos indígenas e negros originários daquela região. Foi lindo.

Uma das apresentações que mais me chamaram a atenção foi de um grupo de capoeiristas que fizeram várias danças e cantos baseado em repetições e com um berimbau e palmas fazendo a marcação do ritmo. Mas dentro do aspecto desse universo (que eu sei bem pouco, infelizmente), o que mais me chamou a atenção foi a variedade de tipos de pessoas que faziam parte desse grupo.

Observei desde pessoas extremamente bem definidas esteticamente enquanto outras não apresentavam um grande apelo estético. Independentemente dessa observação, todas tinham uma excelente mobilidade e consciência corporal, com muita energia nos movimentos e sem esboçar cansaço ou dores. Pareciam todos felizes, o que me fez questionar: será que práticas como a capoeira influenciam na saúde dos praticantes?

Meu objetivo nesse texto não é restringir apenas a capoeira, mas tentar verificar dentro dessa prática o que temos na literatura científica e pensar se cabe extrapolar para outras atividades. Para isso, vou utilizar um artigo de revisão fresquinho que saiu do forno este ano.

Na revisão sistemática feita por Souza (2023), verificou-se que a prática de capoeira tem resultados bem interessantes nos aspectos físicos e sociais. Dentro desse estudos, a prática esteve correlacionada com melhora de equilíbrio, parâmetros cardiovasculares, diminuição do declínio cognitivo etário, reflexos e maior regularidade na manutenção da própria saúde.

Além desse aspecto, estudaram a qualidade de vida dos praticantes e verificaram o impacto social da atividade, como por exemplo no processo de inclusão de pessoas com deficiência intelectual (que apresentaram aumento no índice de sociabilidade) e na reintegração de adolescentes refugiados de países em guerra (que apresentaram diminuição significativa em problemas comportamentais e melhora de habilidades interpessoais, confiança e autodisciplina).

O ponto disso tudo é tentar projetar que o impacto de apenas uma prática dentro de uma cidade de quase 500 mil habitantes poderia ser tão relevante que merecesse uma atenção. Quantas outras atividades, não somente físicas, que podem trazer uma diferença significativa na vida, saúde e bem-estar para nós?

Fica a dica pra você meu querido leitor, já procurou alguma coisa que te satisfaça, externa e internamente, nos últimos tempos? Talvez seu próximo passo na jornada de autoconhecimento da vida esteja na cidade ao lado.

 

Referências:

https://www.riopreto.sp.gov.br/

SOUZA, Arligson José de. Capoeira e qualidade de vida: uma revisão sistemática. 2023. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Educação Física) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2023.

Palácio dos Bandeirantes, Câmara Municipal e Assembleia Legislativa – Saindo do Lab

22 de Setembro de 2023, 13:00

Eu sempre tive muita curiosidade sobre o que significava “espaço público” dentro de uma perspectiva da sociedade. Sendo assim, muitas vezes passei próximo de prédios do funcionalismo público em São Paulo e ficava muito curioso pra saber o que tinha lá dentro.

Um dos prédios mais presentes na vida do paulistano médio que circula o centro de São Paulo é a Câmara Municipal, que fica no Viaduto Jacareí, pertinho do Terminal Bandeira. Sua estrutura é imponente e possui uma entrada muito convidativa. Sempre achei muito interessante a proximidade que essa instituição tem com o fervo do centro, mas nunca me aprofundei em como funcionava para conhecer lá dentro. Até o ano passado.

Faço parte de duas ONGs que trabalham em promoção da saúde em comunidades periféricas e para pessoas em situação de rua. Uma delas, o Amigos da Saúde, tem um organizador que possui muito contato com diversos operadores do sistema político paulista, por isso, nossa ONG é convidada com certa frequência para eventos, principalmente nestes prédios públicos.

Com isso, pude conhecer por dentro como são os lugares onde reside o poder público. Meu objetivo aqui é dar meu relato para que você, meu querido leitor, se sinta instigado e queira conhecer também esses polos, seja em São Paulo, seja na sua própria cidade.

 

Câmara Municipal de São Paulo

O primeiro local que visitei foi a Câmara Municipal de São Paulo, com a qual iniciei este texto.

A Câmara é o local onde ficam os vereadores da capital, sendo eles a expressão do Poder Legislativo mais próxima da população. Essa afirmação é tão real que, recorrentemente, vi pessoas que possuíam muito contato social serem denominadas como “vereadoras”.

De qualquer forma, o prédio é muito grande, muito maior do que parece pelo lado de fora, com muitas salas, auditórios e gabinetes de vereadores. Na entrada, uma parede de mármore gravada com muitos nomes, alguns até conhecidos por quem deu uma atenção nas aulas de história.

O evento para qual fomos convidados consistia em uma solenidade de formatura de bombeiros civis, onde foram divulgadas muitas pautas que essa classe de trabalhadores demandava. O auditório onde foi realizado o evento se chamava Salão Nobre Presidente João Brasil Vita, era muito bonito, com muitas pinturas representando figuras históricas da fundação de São Paulo, como o Padre Anchieta, o indígena Tibiriçá e Martim Afonso.

Existe uma possibilidade de visita aberta, para mais informações, uma pesquisa no Google sobre Câmara Municipal de São Paulo deve elucidar a maior parte das dúvidas.

 

Assembleia Legislativa de São Paulo

O segundo prédio que visitei foi a Assembleia Legislativa de São Paulo, a conhecida ALESP.

Aqui as coisas já ficam um pouco mais distantes, a começar pelo local. A ALESP fica perto do Parque do Ibirapuera, próximo à região de Moema, bairro tido como “área nobre”. É um pouquinho chato chegar na ALESP, pois se você é paulistano, sabe que o melhor transporte público que temos é o metrô, mas para chegar lá, apenas de ônibus.

Além da distância geográfica, temos a distância do poder em si estabelecido. A ALESP também é outra expressão do Poder Legislativo paulista, mas abriga em seus gabinetes os deputados estaduais, que abrangem uma parcela maior de representatividade, ou seja, acabam se tornando mais distantes do que os vereadores.

Outra construção faraônica, com um hall de entrada muito bem controlado e diversas esculturas, se assemelhando à Câmara no projeto arquitetônico. O evento desta vez foi realizado no Auditório Teotônio Vilela, um auditório bem mais compacto que outros presentes no prédio, mas bem utilizado para o tamanho da cerimônia, sem grandes quadros nem adornos, apenas as cadeiras e a tribuna principal. A solenidade desta vez foi uma entrega de certificado para os integrantes do Amigos da Saúde, pelos serviços prestado à sociedade.

Para visitação, segue a mesma dica da Câmara Municipal, acesso no site e possibilidade de visita em grupo.

 

Palácio dos Bandeirantes

O terceiro e último local visitado foi o Palácio dos Bandeirantes.

Aqui as coisas tomam outra proporção. O Palácio fica localizado no Morumbi, bairro largamente conhecido como zona nobre. Apesar de ter um acesso relativamente mais facilitado, muito por conta do Estádio do Morumbi que fica nos arredores, pessoas de locais mais afastados podem sofrer com a distância até a zona sul.

Diferentemente das outras duas casas anteriores, o Palácio dos Bandeirantes é uma expressão do Poder Executivo, não somente da capital, mas do estado inteiro, pois é a residência oficial do Governador do Estado.

Essa não consiste exatamente em um prédio, mas em um complexo com várias construções, das quais visitei o chamado Salão Nobre, onde ocorreu um evento aberto de promulgação de ações para fortalecimento do combate à violência contra a mulher.

Apesar de não ser um grande prédio, o Palácio é o mais bonito dos prédios, com jardins e bastante espaço arborizado. Dentro do Salão Nobre, há muitas esculturas e obras, sendo a mais impactante delas aquela clássica que vemos na escola, a obra “Operários”, da Tarsila do Amaral.

Neste evento, estavam presentes o atual governador e o atual prefeito. Também existe a possibilidade de visita ao acervo do Palácio que é muito grande, vale bastante a visita, basta pesquisar dentro dos moldes das dicas anteriores.

 

Mensagem final

Apesar de parecer uma grande propaganda política, este texto vem com a intenção de incentivar que qualquer cidadão, independente de sua classe social, posição política ou renda, possa conhecer esses locais para que se sinta confortável em exigir seus direitos.

Acredito que antes de ocupar e mobilizar, é necessário conhecer e explorar, para que posteriormente possamos pressionar nossos representantes e quem sabe nos tornarmos um deles.

Trilhas, frutas e os segredos da Mata Atlântica

21 de Junho de 2023, 13:00

Eu sou trilheiro. Desculpe se você não esperava por essa meu querido leitor. Mas é a verdade. Eu sou aquele tipo de pessoa que acorda às 5h da manhã em um feriado para encontrar outros malucos e se enfiar no meio do mato para explorar e caminhar por 15, 20 ou mais quilômetros.

Se você nunca fez, fica a dica, começa por uma trilha pequena, que o restante fica mais fácil. De qualquer forma, costumo fazer as trilhas que ficam na cidade e região metropolitana de São Paulo, ou seja, se você lembra das aulas de geografia, São Paulo tem um bioma majoritariamente dominado pela Mata Atlântica (ou o que restou dela).

Como você pode imaginar, vez ou outra estou inserido dentro da Mata Atlântica e vendo incrédulo que mesmo dentro da maior metrópole do Brasil, ainda existem macaquinhos, tatus, cobras e muita vida selvagem nas veias desse arco verde.

Da última vez que estive numa trilha, fiz uma que teve início em um local da região metropolitana chamada Paranapiacaba, que fica bem pertinho de Rio Grande da Serra. Esse vilarejo tem uma história muito interessante, encham o saco dos nossos redatores de História para falarem sobre lá.

A partir do início da trilha, cada vez que íamos em frente, mais fechada a mata ficava ao nosso redor, o que é um ótimo indício para encontrar cada vez mais um ambiente propício para o crescimento de plantas nativas e aparecimento de animais selvagens.

Conforme seguimos em frente, meu apito mental de cientista começou a apitar, quando comecei a observar melhor a mata em busca de coisas que chamassem minha atenção. Não deu outra: encontrei alguns elementos na mata que resolvi trazer para que possamos pensar juntos sobre quem são, para quê servem e entender o que de mais interessante a Mata Atlântica esconde (ou não) de nós.

Descrição da imagem: 4 fotos tiradas na trilha segurando frutas. Em cima à esquerda, frutinha vermelhas pequenas e redondas compostas por várias bolinhas, como uma amora; à direita, uma fruta laranja pequena e redonda pendurada pelo pedúnculo à planta. Abaixo e à esquerda, uma fruta amarela, pouco maior que as primeiras, aberta ao meio de forma que se possa ver um conteúdo mais escuro na parte de dentro; à direita, uma fruta de um verde claro brilhante.

A primeira fruta que encontrei no trajeto foi um limão. Sabe aquele limão mesmo, com cara daquilo que a gente chama costumeiramente de limão aqui no Brasil? Esse mesmo. Mas indo mais a fundo descobri que era um limão taiti (nome científico Citrus latifolia), fruta originária da Pérsia e chegando no Brasil por volta do séc. XX.

Como o Brasil é um lugar abençoado por Deus e bonito por natureza, o solo é muito fértil e dispõe de condições para o crescimento de vários tipos de planta, como ela por exemplo.

Como o objetivo deste artigo é fazer uma conexão entre as frutas encontradas e a pesquisa científica, uma rápida busca no Pubmed me trouxe um artigo interessante: 1efeito do suco de limão taiti na produção de dois tipos de prostaglandinas e outras citocinas pró-inflamatórias envolvidas na menstruação. Segundo este artigo desenvolvido na Universidade Federal de São Carlos (VAI BRASIL), há muitos indícios de que os flavonoides glicosilados presentes no suco agem nas vias uterinas de expressão das prostaglandinas, podendo ser apresentado como um potencial de controle menstrual através de modulação das contrações musculares.

A segunda fruta que encontramos no caminho foram amoras-vermelhas (Rubus rosifolius) (cuidado para não confundir com morangos-silvestres). Na região onde eu nasci, no extremo leste de São Paulo, eles eram muito comuns nas beiradas dos barrancos do Jardim Limoeiro.

A planta é muito recorrente no Brasil, levando muitos a acharem que se trata de uma planta nativa brasileira, mas na verdade é oriunda da África, Ásia e Oceania, onde novamente se adaptou muito bem ao clima dos biomas brasileiros. Por conta de seu potencial invasor, se disseminou de forma muito facilitada.

Além das curiosidades e sabor de infância dessa frutinha, um estudo muito interessante que foi desenvolvido, não necessariamente sobre a fruta, mas sim sobre o caule da planta. Nesse, foi observado que 2 seu extrato induz lesão celular e apoptose em uma linhagem específica de hepatocarcinoma humano (novamente, outro artigo brasileiro que foi desenvolvido na Universidade Estadual de São Paulo – UNESP).

Para os não-iniciados, aqui vai a explicação de dois termos usados no título do artigo: apoptose é um processo de morte celular programada, anteriormente conhecida como “suicídio celular”, em que a célula inicia o processo de autodestruição por motivos variados. Hepatocarcinoma se trata de um câncer instalado no fígado, que vem apresentando aumento de incidência na população mundial.

Em um resumo muito simplista, os efeitos desse extrato (além de todos os efeitos demonstrados no artigo) é pequeno, porém significante sobre a quantidade de células cancerosas, mas são necessários mais estudos para mais resultados.

A terceira frutinha encontrada nesta trilha foi a melancia-da-praia (Solanum capsicoides), também conhecida como joá-vermelho ou arrebenta-boi. Ela é orgulho nacional, originária do Brasil mesmo, muito prevalente em região de litoral, também sendo encarada como erva invasora em alguns locais.

Essa demandou certa pesquisa da minha parte, pois nunca tinha visto uma fruta assim. Na verdade, quando observei, pensei se tratar daqueles tomates-cereja (Solanum lycopersicum var. cerasiforme), mas a polpa era muito diferente.

Mais que isso, a melancia-da-praia está envolvida em uma pesquisa muito interessante desenvolvida por um grupo da Universidade Federal da Bahia que observou as 3evidências do potencial anti-hipertensivo do extrato da melancia-da-praia em ratos espontaneamente hipertensivos (SHR).

Para esclarecer, os SHR são ratos que são modificados geneticamente para que tenham naturalmente uma condição de pressão alta, muito utilizados em modelos para estudo com medicamentos para esta condição, como feito pela proposta do grupo de pesquisa.

O estudo realmente observou o potencial de hipotensão do extrato do fruto, associado a um aumento nos batimentos cardíacos. Entretanto, como tudo em estudos de base, são necessários mais estudos para que possa se desenvolver mais conhecimento sobre esta aplicação.

Por último, a última frutinha encontrada em minha jornada gerou uma grande intriga dentro de mim. Como podem observar na foto, se assemelha a um maracujá, só que bem pequeno.

Em minhas pesquisas, identifiquei que pode se tratar de um maracujá-do-mato (Passiflora cincinnata) ou maracujá-da-caatinga, o que me deixou extremamente confuso. Mas, segundo o Sistema de Informação sobre a Diversidade Brasileira (SiBBr), o maracujá-do-mato pode ser encontrado também na Mata Atlântica, apesar de sua prevalência na região da Caatinga e do Cerrado.

Sendo assim, é uma espécie nativa brasileira. Assim como as outras frutas, o maracujá-do-mato tem em seu repertório um estudo sobre o 4potencial hipolipêmico e perfil de segurança do extrato etanólico e a farinha da casca do maracujá-do-mato em camundongos, pelo grupo de estudos da Universidade Federal do Vale do São Francisco, em Petrolina, Pernambuco.

Em resumo, o estudo conseguiu encontrar um potencial muito promissor de diminuição dos níveis tanto de triglicerídeos, quanto de colesteróis em geral, além de um perfil de segurança muito acentuado, sem sinais clínicos nem mortes registradas dos animais.

Como espero que tenha ficado claro através deste texto, essas simples frutinhas que encontrei em uma trilha nos arredores da maior cidade da América Latina possuem potenciais de alívio menstrual, combate ao câncer de fígado, medicamentos para pressão alta e controle de colesteróis.

Ao passo que avançamos desenfreadamente rumo a destruição dos nossos biomas como espécie humana, além do rastro de carbono deixado para trás, sem dúvida muitas potenciais soluções para as mais diversas mazelas que nos atingem com certeza foram aniquiladas ao som de machados, fogo e a mais pura ganância.

 


1 – Robeldo, T., Canzi, E. F., de Andrade, P. M., Santana, J. P. P., Teixeira, F. R., Spagnol, V., … Borra, R. C. (2020). Effect of Tahiti lime (Citrus latifolia) juice on the Production of the PGF2α/PGE2 and Pro-Inflammatory Cytokines involved in Menstruation. Scientific Reports, 10(1). doi:10.1038/s41598-020-63477-8

2 – De Quadros APO, Oshiiwa B, Petreanu M, Niero R, Rosa PCP, Sawaya ACHF, Mantovani MS, O’Neill De Mascarenhas Gaivão I, Maistro EL. Rubus rosifolius (Rosaceae) stem extract induces cell injury and apoptosis in human hepatoma cell line. Toxicol In Vitro. 2023 Feb;86:105485. doi: 10.1016/j.tiv.2022.105485. Epub 2022 Oct 22. PMID: 36279965.

3 – Simões LO, Conceição-Filho G, Ribeiro TS, Jesus AM, Fregoneze JB, Silva AQ, Petreanu M, Cechinel-Filho V, Niero R, Niero H, Tamanaha MS, Silva DF. Evidences of antihypertensive potential of extract from Solanum capsicoides All. in spontaneously hypertensive rats. Phytomedicine. 2016 May 15;23(5):498-508. doi: 10.1016/j.phymed.2016.02.020. Epub 2016 Mar 5. PMID: 27064009.

4 – Leal AEBP, Lavor ÉM, de Oliveira AP, Dutra LM, Barbosa JM, Alves CDSC, Braga de Andrade Teles R, Santos RFD, Lima RS, Queiroz MAÁ, Lima JT, Almeida JRGDS. Hypolipidemic potential and safety profile of the ethanolic extract and flour of the peel of Passiflora Cincinnata Mast. (Passifloraceae) in mice. Drug Chem Toxicol. 2022 May 19:1-10. doi: 10.1080/01480545.2022.2077359. Epub ahead of print. PMID: 35589671.

Série: Saindo do Lab – Centro de Controle de Zoonoses e Adoção de Animais – Parte 2

10 de Abril de 2023, 13:00

Dando continuidade à parte 1 deste texto, veremos hoje a seção dos gatinhos que ficam no Centro de Controle de Zoonoses (CCZ). Se você não viu a parte 1 deste texto, corre lá pra ler antes de começar este aqui.Os gatinhos ficam em uma subseção do CCZ chamada Centro Municipal de Adoção (CMA), que possui toda uma estrutura especializada para o alocamento, manutenção e bem-estar dos bichanos.

O enriquecimento ambiental criado pelos cuidadores é espetacular frente aos desafios enfrentados pelo subfinanciamento que locais como este recebem. Diferentemente dos cachorros, os gatos possuíam em suas descrições a data de entrada no CMA, idade estimada, tipo de pelagem (podendo ser curta, média ou longa) e o número do microchip. De forma muito graciosa, os cuidadores do CCZ colocam um pequeno resumo da história do animal antes de chegar lá, e muitos possuem histórias lamentáveis oriundas de maus tratos ou condições prévias.

Dentre as condições que pude observar, as mais comuns foram três: a esporotricose, a FIV e a FeLV. Iremos ver cada uma dessas condições e tentar refletir o porquê de os gatos que sofreram com estas condições frequentemente serem abandonados e pararem no CCZ.

 

Esporotricose

A esporotricose é uma doença causada por um fungo chamado Sporothrix schenckii. Apesar da abordagem focada nos felinos nesse texto, a esporotricose também pode afetar seres humanos e outros animais domésticos e de laboratório.

O fungo tem distribuição mundial e pode ser encontrado no solo, na vegetação e em vigas de madeira. Ele possui uma característica muito interessante chamada dimorfismo, que é a capacidade do fungo crescer de formas diferentes dependendo da temperatura a que é exposto.

Quando em temperaturas entre 25~30°C ele cresce como fungo filamentoso, que é parecido com aquele fungo que cresce no pão mofado com carinha de algodão tóxico, enquanto em temperaturas acima de 37°C ele cresce como levedura, igual fermento de pão. A entrada do micro-organismo no corpo ocorre através da inoculação através de plantas ou do solo.

A doença apresenta sintomas como nódulos pequenos e firmes próximos ao local de inoculação, comumente havendo lesões externas com exsudato entre o nariz e as orelhas. Ao entrar em estágio crônico, pode evoluir para febre, apatia e depressão, com provável afecção respiratória, podendo ser fatal.

Tanto a doença quanto seu tratamento podem deixar sequelas. O tratamento da esporotricose não é muito bem processado pelo organismo dos gatos, causando reações adversas como espasmos musculares, cardiomiopatia, colapsos cardiovasculares e possível morte. Muitos gatos são abandonados por conta do quadro, isso quando não são eutanasiados.

 

FIV

A FIV (Feline Immunodeficiency Virus ou Vírus da Imunodeficiência Felina) é exatamente isso que você está pensando. O paralelo que pode ser traçado com o HIV é verdadeiro neste caso, contudo, existem diferenças bem relevantes.

A transmissão é feita principalmente pela mordedura de animais infectados, além de que os grupos de risco de infecção são gatos machos, mais idosos e de vida livre. Após a infecção, apresentam-se febre transitória, linfadenopatia e neutropenia, com posterior queda gradativa de linfócitos TCD4+, levando ao quadro clássico de imunodeficiência, com infecções oportunistas recorrentes e a maior chance de desenvolvimento de linfomas e neoplasias mieloproliferativas.

Não existe tratamento efetivo, por isso, muitos tutores desistem de prover uma qualidade de vida necessária para gatinhos com FIV positivo, pois eles necessitam de uso recorrente de antibióticos, uma dieta balanceada, controle de parasitas além de manter o animal em ambiente fechado e longe de outros gatos.

 

FeLV

Por último, a FeLV (Feline leukemia vírus ou Vírus da Leucemia Felina) tem uma ligação muito forte com a FIV, com muitos animais apresentando as duas condições ao mesmo tempo. Ela é causada por um retrovírus da família Oncoviridae, com a transmissão podendo ocorrer com contato de fluidos como saliva, secreções nasais, leite, urina e fezes. Sintomas como neoplasias, gengivomastite crônica, anemias, linfomas, além das infecções oportunistas fazem parte da fisiopatologia da doença.

Assim como a FIV, a FeLV também não possui cura, porém, cuidados profiláticos rotineiros, uma boa tutoria, estresse minimizados, além da criação atenciosa e segregada de outros gatos promovem uma boa vida para esses bichanos. Entretanto, poucas pessoas dispõem desse tipo de estrutura, recorrendo ao abandono quando recebem a notícia de que seu pet está com a doença.

Observando esse panorama, podemos ver como os gatinhos que vão parar no CMA sofreram e lutaram para sobreviver apesar das adversidades. Um desses, chamado Paulinho, conquistou meu coração pela história. O Paulinho era FIV e FeLV positivo, além de que, pela descrição de sua história, chegou no CMA com o diafragma rompido e não conseguia respirar. Com o cuidado e atenção dos cuidadores do CCZ, ele conseguiu se recuperar e está bem hoje, apenas esperando encontrar um lar chamar de seu.

Adote!

Se você dispõe dos recursos e do amor necessário para cuidar, não só do Paulinho, mas de qualquer um dos animais que estão neste momento no CMA, adote! O processo de adoção é muito bem conduzido pelo CMA, sempre prezando pela responsabilidade e bem-estar de todos os envolvidos.

Se for possível, um dia vá visitar o CCZ da sua região, conheça os locais que são geridos pelos órgãos públicos, você tem esse direito e exercê-lo é uma das formas mais assertivas de demonstrar cidadania, com o benefício de prestigiar a vida dos nossos amigos animais com uma visão muito mais parcimoniosa, zelosa e, com muito contrassenso, humana.

Série: Saindo do Lab – Centro de Controle de Zoonoses e Adoção de Animais – Parte 1

4 de Janeiro de 2023, 12:00

Recentemente, estava assistindo televisão (sim, jovem, algumas pessoas ainda assistem televisão hoje em dia), quando foi anunciada uma campanha da Prefeitura que ocorreria nos Centros de Controle de Zoonoses – Os CCZ, onde teriam vários serviços relacionados aos pets, como vacinação, castração, identificação por chip e emissão de documentos. Eu, como belo pai de pet que sou, achei muito interessante essa oportunidade, tanto de levar o Lucky (meu doguíneo), quanto de conhecer a estrutura de um CCZ.

O CCZ que fica mais próximo da minha residência é o CCZ da Zona Norte, em Santana. Chegamos à Unidade e já na entrada fui surpreendido, pois havia muita gente para participar da campanha, o que, pra mim, foi curioso, pois apesar de ser uma campanha gratuita, muitas vezes ações desse tipo contam com pouca adesão da população, mas acredito que quando envolve animais de estimação, o cuidado e a atenção demandada são maiores.

Já dentro do CCZ havia uma tenda onde os tutores estavam aguardando sua vez de serem atendidos. Dentro dessa campanha, era possível realizar a emissão de Registro Geral do Animal – RGA, vacinação contra raiva e introdução de chip localizador. Aproveitei para realizar esses três serviços, pois até esse momento meu cachorro era indigente e sem localizador. A emissão de RGA é um processo muito simples e rápido, é feito de forma digitalizada e o documento chega ao e-mail do tutor no mesmo dia.

Descrição da imagem: foto do prédio do COSAP – Coordenadoria de Saúde e Proteção ao Animal Doméstico

A vacinação ocorre em uma área mais a frente do complexo do CCZ, onde dois profissionais imobilizam o animal e fazem a aplicação da vacina de forma muito rápida, o Lucky nem se mexeu.

Já a aplicação de microchip foi uma parte muito curiosa, pois não conhecia esse processo. O profissional que nos atendeu me explicou que esse chip é introduzido na região intradérmica, próxima ao pescoço, e em caso de perda do animal, alguém que o encontrar pode levá-lo a um serviço municipal da Prefeitura. Nesse, existe um equipamento que faz a leitura do microchip, onde consta o número do RGA emitido do animal, facilitando assim a busca desses animais e o transporte até seus tutores. Uma estratégia muito eficaz, gratuita e acessível para evitar casos de desaparecimento e abandono de animais.

Mas como consta no nosso título, vamos à parte que realmente me encantou nesse local. Dentro do CCZ tem uma seção chamada de Centro Municipal de Adoção (CMA), onde ficam os animais que aguardam um lar pra chamar de seu.

O CMA tem duas subseções separadas, a primeira é a de Animais Domésticos. Lá, cachorros e gatos ficam a espreita de potenciais donos, com uma descrição muito fofa ao lado de suas casinhas, onde são apresentados os dados gerais e a personalidade do bicho.

Na parte de cachorros, é dado o nome do animal, data de entrada no CMA, idade estimada, tamanho da pelagem (ponto importante para os alérgicos) e o número do microchip.

Além disso, em relação ao temperamento deles, consta sobre a afinidade com adultos, afinidade com crianças, afinidade com outros cães, o nível de intensidade da atividade física que ele tem e latidos e arranhões em portas, bagunça em geral como destruir objetos e roer chinelos, além das possessividades que apresenta, seja com objetos, comida, ciúme de pessoas ou outros aspectos.

Com essas informações, é possível ter um panorama muito acurado de como é conviver com aquele animal, pensando em disponibilidade e estilo de vida do tutor, o que é primordial para quem quer ter um pet. Em relação aos gatos, vou deixar para detalhar mais na parte 2, então não perca.

Depois de escolhido o animalzinho para adoção, não vá achando que é só pegar e ir embora. Existe uma entrevista que o pessoal do próprio CMA realiza com os potenciais tutores para avaliar as condições de vida que é disposto pela pessoa para com o bicho, pois não é raro o abandono de animais adotados, assim como o fato de muitos que vão parar no CMA já serem fruto de um abandono irresponsável por tutores anteriores, que deixaram os animais em situação de quase morte, quando foram resgatados.

Perguntas como qual a renda total do tutor, qual a porcentagem de renda que vai ser dedicada ao cuidado do animal, tamanho da casa e quantidade de pessoas que moram nela são realizadas com o intuito de garantir o bem-estar, tanto do animal, quanto dos tutores.

Saindo da parte mais prosaica que já conhecemos, tem uma subseção que eu nunca imaginaria que existiria e, quando conheci, me apaixonei e quase mudei meu estilo de vida para um senhor de idade dono de fazenda com vida bucólica.

Esse local é dedicado aos Animais de Fazenda, que também podem ser adotados e levados! Nessa unidade do CCZ, tinham 5 cavalos, 1 burrinho, 2 miniporcos (ou minipigs) e dois coelhos, que mais pareciam lebres de tão grandes que eram.

Nesse caso, o pessoal do CMA faz a entrevista e a vistoria do local onde esses animais vão ser levados presencialmente, tirando medidas e observando a possibilidade de manutenção de um animal de grande porte, como um cavalo. Lá era possível interagir com os bichos, os cavalos eram dóceis, os porquinhos tímidos e os coelhos dorminhocos.

Descrição da imagem: Pessoa parada em frente de um portão com uma faixa escrito “Animais da Fazenda”

Assim terminou a minha visita ao CCZ com o Lucky, agora vacinado, chipado e documentado. Conhecer um local de tamanha estrutura com profissionais altamente especializados e com um apreço tão palpável, sendo um serviço público, me impressionou de forma positiva.

Se você tem um bichinho, fique atento nas próximas ações informadas no site da Prefeitura e aproveite para visitar o CCZ. Se não tem, vá do mesmo jeito conhecer. No próximo texto vou abordar de forma mais profunda a subseção dos gatos e algumas doenças que afetam os felinos que chegam no CCZ, como a FIV e a FELV.

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